domingo, 24 de abril de 2016

Calote em Licitações - O que fazer?



Sempre defendi em minhas atividades de consultoria e assessoria em licitações públicas que, uma vez executado com foco e especialização, vender para o governo é lucrativo e seguro. Fato esse que pode ser  comprovado por dezenas de testemunhos de clientes que tiveram a história de suas empresas transformadas.

Mas é fato, também, que não estamos livres de nos deparar com situações de inadimplência da administração. Por essa razão uma parte do conteúdo dos meus cursos destina-se a ensinar o empresário e profissional de vendas o que fazer para se livrar do prejuízo e quais os meios jurídicos para forçar a Administração ao pagamento do que lhes deve. Conteúdo esse que dou aqui uma breve pincelada.

Inadimplência em um período maior de 90 dias.

A Lei Geral de Licitação, Lei Federal n. 8666/93, prevê a execução parcelada do contrato, todavia, para proteger o fornecedor, proíbe que entre o pagamento de cada uma das parcelas decorram mais de 30 dias.

O diploma dispõe também sobre o critério de atualização financeira dos valores a serem recebidos pelas empresas contratadas, além de compensações financeiras e penalizações pelos atrasos.
A curto prazo, apenas para evitar que as parcelas em aberto se acumulem, a solução mais eficaz para a inadimplência é se valer do direito de rescindir o contrato ou optar pela suspensão até que a situação se regularize.

Com esta atitude, o fornecedor  não corre o risco de involuntariamente se tornar financiador da Administração Pública, já que não há obrigação de prosseguir com a entrega dos produtos ou serviços caso não receba pagamento pelos que já tenha fornecido.

Alguns particulares optam pela suspensão, quando ainda prospectam resultados positivos para o contrato, já outros preferem a rescisão para evitar que cresçam os prejuízos.

Estando a Administração inadimplente por mais de 90 dias, o fornecedor lesado tem legítimo direito de proceder automaticamente à suspensão do cumprimento de suas obrigações, até que receba o pagamento em atraso.

É muito importante que o fornecedor saiba de pleno direito à suspensão do contrato quando o inadimplemento supera 90 dias e, principalmente, que não precisa formalizar requerimento à Administração Pública para tanto. 

Entretanto, o órgão público deve tomar ciência da suspensão para se resguardar o particular de eventuais e injustas sanções.

Do mesmo modo, também constitui pleno direito do contratado a rescisão do contrato por atraso de pagamento superior a 90 dias.

Assim, os fornecedores  poderão rescindir o contrato por dois caminhos através de rescisão amigável, firmada diretamente com a Administração ou rescisão judicial.

Quando optar por solucionar a inadimplência da Administração Pública por meio da rescisão do contrato a empresa deverá ser ressarcida pelos prejuízos que prove ter sofrido com o inadimplemento.

 Além disso, mantém seu direito ao pagamento devido pela execução do contrato até a data da rescisão, acrescido de juros contratuais e correção monetária.

Inadimplência em um período menor de 90 dias.

Mas quem estiver aguardando o pagamento de parcela vencida há menos de 90 dias também poderá suspender ou rescindir o contrato?

A resposta é sim. 

Apesar de a Lei Geral de Licitação não mencionar direito de suspender ou rescindir o contrato antes de 90 dias, esse direito existe.

Se antes de transcorrer o prazo de 90 dias o contratado ficar impedido de dar continuidade ao contrato por força de falta de pagamento, ele tem o direito à rescisão do contrato. 

O artigo 54 da Lei 8666/93 prevê que aos contratos administrativos aplicam-se supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. Isto significa que “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes pode, antes de cumprida sua obrigação, exigir a do outro”.

Em resumo, para impedir que órgão público inadimplente há menos de 90 dias obrigue o particular a continuar cumprindo suas obrigações contratuais, este deverá ajuizar ação cautelar, formulando pedido de concessão da tutela preventiva de forma imediata, a fim de obter autorização para rescindir o contrato administrativo. Esta conduta impedirá que a Administração lhe penalize em razão de ter cessado o fornecimento do bem ou a prestação do serviço.

Após a Rescisão do Contrato.

Após a rescisão do contrato administrativo é direito do contratado receber o pagamento devido até o momento da rescisão.

Mesmo assim é comum que depois de suspenso ou rescindido o contrato, a Administração deixe o contratado no prejuízo.

Neste caso o fornecedor  pode buscar a execução forçada dos valores que tem direito a receber, com juros contratuais e correção monetária, pois trata-se de um credor que possui título executivo materializado na Nota de Empenho.

Sabemos que a cobrança das Notas de Empenho pelo processo civil de execução não é de todo satisfatória porque a Administração inadimplente honrará seu compromisso do modo que for mais conveniente possível ou através de precatórios. 

Alguns contratados desistem da execução judicial da nota de empenho no momento em que a palavra ‘precatório’ surge, mas eles não sabem que o instituto da compensação tributária pode torná-lo vantajoso.

A compensação pode se mostrar um bom negócio, ainda mais quando comparada com a outra opção de nada receber e amargar o prejuízo.

Compensar tributos com precatórios consiste simplesmente em abater com o crédito proveniente destes o valor que um particular deve à Administração em razão de fatos geradores de tributos.
Importante observar que existem regras bastante rígidas e apenas haverá compensação quando se queira liberar tributos exigidos pelo mesmo ente federativo que emitiu o precatório.

Responsabilização dos inadimplentes.

Para cada compra feita pela Administração a partir de contratos de licitação é gerada uma Nota de Empenho. Estas Notas deverão ser pagas pela Administração na estrita ordem cronológica de suas exigibilidades.

Quando a Administração se torna inadimplente, o mais comum é que a ordem cronológica de pagamento dos empenhos deixe de existir. 

A fim de coagir os agentes públicos a observarem a legislação e não atuarem de forma ímproba, dando preferência a determinados fornecedores em detrimento da ordem cronológica da liquidação dos empenhos, por exemplo, admitiu-se tutela penal ao tema. Em seu artigo 92 a Lei 8666/93 define como crime o ato de “pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade”, com pena de detenção de um a quatro anos e multa.

Desta forma, não observar a legislação como a vista acima, ou até mesmo o atraso injustificado no pagamento dos empenhos, consagram ato de improbidade administrativa.

Isso significa que, após comprovada a conduta ímproba do agente por meio de processo judicial, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, poderá haver determinação judicial ordenando que reembolse a Administração pelo dano causado ou pague multa de até cem vezes o valor de sua remuneração. Além disso, também poderá perder sua função pública, ter os direitos políticos suspensos por três a cinco anos, ficar proibido de contratar com a Administração Pública e ainda de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, mesmo que destinados a empresa da qual seja sócio.

Caso o particular lesado pelo inadimplemento contratual da Administração vise a imposição das sanções penais e administrativas sobre o Agente Público responsável, poderá ele efetuar uma Representação junto ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas e à Autoridade Administrativa competente.

O Tribunal de Contas.

A Lei Geral de Licitação prevê em seu artigo 113 que o controle das despesas decorrentes dos contratos administrativos será feito pelo Tribunal de Contas, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução.
Assim, é muito importante que o particular prejudicado pela inadimplência contratual da Administração leve o fato a conhecimento do Tribunal de Contas competente.

É muito claro que não agrada ao gestor público que suas irregularidades e inadimplências sejam expostas a seu órgão regulador, que aplicará severas medidas coercitivas para lhe advertir.

Na prática, o que se percebe como conseqüência da representação é o pagamento voluntário das notas de empenho atrasadas.

O Tribunal de Contas, portanto, é o maior aliado de um contratado que busca o pagamento das notas em atraso.

Falta de recursos -  A Lei de Responsabilidade Fiscal.

É importante esclarecer que a fim de ferir a regra da ordem cronológica de pagamento de empenhos muitos gestores alegam que a inadimplência se justifica por razões de interesse público, sendo tais razões a ausência de recursos para saldar as obrigações. Mas este discurso não se sustenta.

A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê em seu artigo 8 que até trinta dias após a publicação dos orçamentos o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso: “os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso”.

Por essa razão a eventual falta de recursos não pode ser alegada quando houve programação financeira e elaboração de cronograma de execução mensal de desembolso. 

Se a Administração licitou o produto e o empenhou é porque havia verba disponível para pagamento do fornecedor. E é justamente isto que a Nota de Empenho garante.

Temos, então, mais um argumento para a Representação junto ao Tribunal de Contas.

Conclusão.

Como vimos acima, existem muitos caminhos para que os fornecedores de bens ou serviços à Administração Pública não amarguem o prejuízo quando ela não honrar com os pagamentos devidos.

Fico a disposição para maiores esclarecimentos.

Até a próxima!